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segunda-feira, 21 de março de 2011

O estado da ciência no Brasil e no Mundo

Interessante análise do Prof.  Jairton Dupont - Professor de Química da UFRGS

Saiu no Boletim da SBF (Sociedade Brasileira de Física) n° 008 de 2011:

Lições da Lista dos 100 Químicos com Trabalhos de Maior Impacto 
(Jairton Dupont - Professor de Química Orgânica da UFRGS)

O ano de 2011 foi declarado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) como o Ano Internacional da Química. No âmbito destas celebrações a Thomson Reuters publicou no ultimo dia 10 fevereiro uma lista mundial dos 100 Químicos (http://sciencewatch.com/dr/sci/misc/Top100Chemists2000-10/) que nos últimos 10 anos atingiram os escores mais altos de impacto de citação de trabalhos científicos na área da química (artigos e revisões).

Uma vez que cerca de um milhão de químicos foram registrados nas publicações de periódicos indexados pela Thomson Reuters durante a última década, esses 100 representam a centésima parte superior de um por cento. Esta lista inclui um único ibero-americano que atua no Brasil e nenhum nome de Países emergentes como Rússia, China, Índia, etc. e muito poucos latinos (2 franceses e um italiano). Claro que podemos celebrar a presença de um brasileiro atuando no Brasil nesta lista. Mas o mais sensato é entender por que razões a imensa maioria se concentra em 3 Países - 70 atuam em instituições dos EUA e 7 na Alemanha e 4 na Grã-Bretanha. Pois bem, quais são as características destas instituições em que se concentram mais 80% destes químicos:

São instituições de grande tradição no ensino de, pela e através a pesquisa. Todas se dedicam preferencialmente ao ensino de pós-graduação e possuem muito mais estudantes de pós-graduação do que graduação, isto é, são as responsáveis nos seus Países a fornecerem os mestres e doutores. São em geral especializadas isto é não atuam em todos os domínios da ciências. O numero de pedagogos é muito pequeno e em boa parte destas instituições inexistente. Os dirigentes são escolhidos segundo capacitação e mérito e não por eleições “municipais”. Atuam em geral em estreita cooperação com os setores não-acadêmicos apesar de se dedicarem preferencialmente a geração de conhecimento básico. Os pesquisadores nestas instituições trabalham em condições de confiança e liberdade com financiamento continuo e com avaliação e controle dos resultados. O arsenal legal ao qual estão submetidas estas instituições está desenhado para atender as necessidades do desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação que necessita de rapidez, agilidade e facilidade para acessar a equipamentos, materiais e dados assim como de sigilo. Estas características passam muito longe das instituições brasileiras e de suas práticas.

Entretanto, o Brasil está num momento singular e que outros Países já passaram recentemente e não aproveitaram. O País necessita de gente qualificada em todos os níveis e para fazer ciência, de técnicos, engenheiros e claro de doutores. A evolução da ciência, tecnologia e inovação no Brasil é resultado direto e incontestável da pós-graduação (PG) e atuação das duas agencias publicas exemplares que executam as políticas públicas de C&T&I: CNPq e CAPES. Certamente, se não mudarmos o marco legal para administrar a ciência e se as Universidades Federais com PG de excelência não assumirem suas responsabilidades perderemos esta oportunidade histórica. As condições estão ai para que o circulo virtuoso do avanço da economia com o avanço da ciência, tecnologia e inovação se estabeleça e se consolide. Vale lembrar que enquanto nos países desenvolvidos existe uma grave crise de vocação para as ciências exatas e engenharias no Brasil ainda temos um exército de potenciais cientistas. Temos de criar um modelo de recrutamento de jovens talentos para a ciência, a exemplo do que já fizemos exemplarmente no futebol e voleibol. Certamente temos atraído grande interesse de vários cientistas de outros países que cogitam trabalhar no Brasil. Entretanto, o sistema legal atual ao qual estão submetidas as instituições que desenvolvem ciência e tecnologia são incompatíveis com as necessidades de fazer ciência. Quando comentamos a colegas norte-americanos ou europeus que contratamos professores-pesquisadores por concurso público com exame escrito e didático eles em geral dão gargalhadas. Penso sempre, diga isto aos órgãos de controle brasileiros ... já quiseram impor concurso público até para agente secreto! Aulas de PG em inglês são ainda uma raridade no País e ainda assim com a resistência de vários “colegas” , como podemos nos internacionalizar atraindo pesquisadores de outros Países, desta forma?

Estamos num momento singular de nossa história científica e tecnológica e poderemos brevemente passarmos de expectadores a atores de base tecnológica de competitividade global. Entretanto, isto somente ocorrerá com a continuidade nos investimentos públicos que vem sendo feitos nos últimos oito anos e principalmente se houver uma profunda mudança jurídica que forneça as ferramentas legais adequadas para se administrar e desenvolver ciência. Não há nada de excepcional em fazer isto, temos exemplos de sucesso no mundo inteiro. Basta vontade política. Não se pode fazer ciência, tecnologia e inovação competitivos globalmente tendo como marco legal o mesmo de uma repartição pública. Ciência se faz num ambiente de liberdade e confiança. Se necessita rapidez, agilidade e facilidade para acessar a equipamentos, materiais e dados. Ciência não se faz com barreira de ano fiscal, não temos como prever com certeza prazos, orçamento e materiais e quais os resultados. Por isso investigamos! Como se pode desenvolver projetos em parceria com outras instituições e gerar patentes se sequer o sigilo pode ser garantido dentro do pseudo sistema de transparência e controles “públicos” ?

O numero de cientistas atuantes do Brasil é ainda muito pequeno (somente a cidade de Boston nos EUA tem mais doutores em Química que no Brasil inteiro), muito aquém de nossas necessidades prementes. Certo, foram criadas as bases para a formação de pessoal, técnicos engenheiros, professores e geração de ciência e tecnologia para inovação com a entrada no sistema dos IFET, novas Universidades, PRO-Uni e novos Campi, por exemplo. Entretanto, não temos os mestres e doutores em quantidade e qualidade (nas áreas de exatas e engenharias, principalmente) suficientes sequer para atender a expansão do ensino superior sem mencionar e demanda do setor não acadêmico com entrada do pré-sal, por exemplo. Ora, temos PG de excelência nestas áreas, certo ainda insuficientes em numero, mas adequados para iniciar o processo. Entretanto, as Universidades Federais em que se encontram estes PG de excelência não assumem na globalidade este desafio, preferem competir com os IFET, com as novas Universidades, com as Privadas e criar e aumentar as vagas na graduação assim como de tecnólogos ou novos campi. Se não forem estas instituições com PG de excelência a assumir esta responsabilidade, quem o fará? Os IFET? As jovens instituições? As privadas na sua maioria sem tradição de pesquisa? Esta preferência se reflete nos investimentos institucionais que raramente são destinados diretamente a infra-estrutura de pesquisa/PG assim como na política de contratações tanto de novos docentes como de servidores técnicos administrativos onde a PG, em geral, é sequer consultada. Mas vale lembrar que apesar de tudo estamos num momento importante de transição: em quantidade de artigos estamos muito bem, mas em qualidade e aplicabilidade ainda deixamos a desejar, mas estamos indo na boa direção. Já somos olhados de outra forma lá fora, como sérios competidores de um mundo econômico cada vez mas científico e tecnológico.

Prof. Jairton Dupont
Professor de Química Orgânica da UFRGS

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Muito oportuna a manifestação do colega químico Jairton Dupont.
Suas críticas são pertinentes. Gostaria de mencionar dois pontos por ele levantados.

Primeiro, os concursos públicos. Têm sido em sua quase totalidade (pelo menos na área de Física que conheço bem) realizados com transparência, sem manobras internas, e com respeito à denominação "públicos" que hoje fazem por merecer, ao contrário de outrora. Têm tido também um papel fundamental que comento a seguir. O mesmo professor universitário no Brasil cumpre tarefas diversas. Desde docência na graduação até produção de conhecimento científico específico. Com o ínfimo número de acadêmicos no Brasil, comparado às nossas necessidades como nação independente, é o modelo adequado à nossa realidade. Diferente de países anglosaxões. Espera-se que tal professor tenha domínio completo sobre as bases conceituais da disciplina a que se dedica, Física, Química, Matemática, etc. Nos concursos de cujas bancas tenho participado pelo país afora, com enorme freqüência nas últimas 3 décadas, tenho percebido um sério problema, cada vez mais agudo, uma bomba relógio que precisa ser desativada. Os candidatos apresentam boa produção científica, de acordo com as cobranças a que toda a comunidade científica é submetida por nossas agências de fomento à pesquisa. No entanto, os mesmos candidatos falham grosseiramente no conhecimento dos fundamentos básicos da disciplina a que se dedicam, mesmo e principalmente aquelesdiretamente ligados à sua área específica de pesquisa. É, por exemplo, um candidato que publicou um belo trabalho experimental no Physical Review Letters sobre a construção de um dispositivo Josephson, mas que não consegue responder questões elementares sobre o efeito túnel. Candidato que será professor de uma de nossas universidades mais bem conceituadas, muitos já o são. Neste ponto, não há cobrança alguma. Nossos próprios cursos de PG relaxam neste quesito, principalmente os considerados "de excelência", muito provavelmente devido a prioridades prementes no atendimento às outras cobranças relacionadas com produção científica. A única oportunidade em que o conhecimento conceitual básico de nossos jovens doutores pode ser testado é nos concursos públicos. Para isso, no entanto, as ementas de tais concursos não podem ser, como infelizmente ainda se vê, direcionadas ao interesse particular da pesquisa realizada num particular laboratório da universidade. Há em qualquer concurso público brasileiro, uma prova didática. Na área de Física as aulas proferidas pelo candidato para avaliação da banca deveriam versar sobre Física Básica, aquela que se aprende (ou deixa-se de aprender) nos dois primeiros anos do curso universitário. Nas áreas de Química, Matemática, etc, o equivalente.

Segundo, o sigilo. Não consigo compreender qual o papel positivo do sigilo numa atividade eminentemente intelectual, portanto de troca de informações sem a qual não se avança. Ciência é necessariamente coletiva. A introdução de sigilos em suas entranhas é fruto exógeno de interesses comerciais diversos e alheios ao desenvolvimento científico. Certamente prejudiciais a este mesmo desenvolvimento.
Portanto, quanto mais consigamos estirpar o sigilo da atividade científica humana, maior será o grau de desenvolvimento científico que alcançaremos, necessário ao rápido enfrentamento também coletivo que as agruras do mundo globalizado nos apresentam como desafio neste início de milênio.

Prof. Paulo Murilo Castro de Oliveira
IF/UFF

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