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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Política: Itamar e as revelações no pós-morte. Revelações ou lembranças?

Como é natural quando uma personalidade nacional morre, os meios de comunicação durante algum tempo apresentam as "memórias", as bonitas palavras sobre o caráter, simpatia e tudo o mais que torna todos os mortos as melhores pessoas que já passaram pela face da Terra.

Em meio as estas memórias, lembranças e revelações (para os desatentos), apresentamos alguns textos que contém um apanhado sobre Itamar, o Plano Real (do qual FHC não foi o criador, vale ressaltar sempre), a relação com Lula, Serra, etc. Vale a pena ler porque contém aspectos dos bastidores de importantes momentos da História recente do Brasil.


Veja por exemplo, quando Ricardo Kotscho acompanhou Lula em viajem para conversar com Itamar, Kotcho revela que Lula havia sugerido o nome de José Serra a Itamar, para ocupar um certo Ministério. Eram outros tempos...

Destacamos no texto em amarelo as regiões que em nossa opinião o leitor deve prestar mais atenção:

Itamar, primeiro e único, queria PT no governo
(02/07/2011 - Ricardo Kotscho)


Itamar Franco: um honrado patriota
(03/07/2011 - Mauro Santayana)

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(02/07/2011 - Ricardo Kotscho)


Itamar Franco tinha sido eleito vice de Fernando Collor, mas quando o então presidente foi cassado por práticas pouco republicanas, em 1992, chamou Lula, que tinha sido o adversário deles nas eleições de 1989, para ajudá-lo a formar o novo ministério.

A esta altura, Itamar já estava rompido com Collor e, diante do rabo de foguete que pegou, tentou montar um governo de coalizão com o PT e o PSDB - uma proeza que nem os líderes dos dois maiores partidos brasileiros nunca haviam conseguido.

Itamar era mesmo diferente, um político fora dos padrões habituais no cenário nacional.

Acompanhei Lula na viagem a Brasília para conversar com Itamar e percebi, desde o início das conversas, que o PT, derrotado em 1989, nas primeiras eleições diretas para presidente da República, não iria participar do governo Itamar, já de olho nas eleições de 1994 (o PSDB logo aderiu e acabou elegendo o sucessor).

Lula até chegou a sugerir alguns nomes para um ministério suprapartidário - lembro-me de Adib Jatene, Walter Barelli e José Serra -, mas nenhum deles era do PT.

Quando falou no nome de Serra, teve quem se espantasse, mas Itamar, com um sorriso maroto, deu a mesma explicação de Tancredo para não aceitar a indicação dele para o Ministério da Fazenda.

"Muito bom nome... Só que esse aí quer ser presidente, vai querer o meu lugar, como já disse o Tancredo...".

Dos três, só Walter Barelli, então presidente do Dieese, ligado ao PT, mas não filiado, acabou fazendo parte do governo Itamar.

Voltei com Lula a Brasília no ano seguinte, para levar ao presidente Itamar Franco o projeto de Segurança Alimentar elaborado no Instituto Cidadania pela equipe de José Gomes da Silva, pai do ex-ministro José Graziano da Silva, que acaba de ser eleito diretor-geral da FAO.

Repetiu-se a mesma história: Itamar topou adotar o projeto, que era um embrião do Fome Zero, desde que Lula indicasse alguém do PT para comandá-lo. Lula indicou novamente um nome fora do PT, o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que não era filiado a partido algum, imediatamente aceito por Itamar.

Diante das circunstâncias, Itamar Franco acabaria fazendo um ótimo governo, deixando o Palácio do Planalto no final de 1994, com um índice de aprovação popular semelhante ao de Lula, no final do ano passado.

Foi ele, afinal, quem colocou Fernando Henrique Cardoso na Fazenda e bancou o Plano Real, que acabou elegendo o ministro como seu sucessor.

Reencontrei Itamar, já como governador de Minas, no Palácio da Liberdade, no início deste século, como repórter da Folha de S. Paulo, com a missão de entrevistá-lo e traçar um perfil do ex-presidente acidental. "Não dou entrevistas, mas se você quiser passar alguns dias comigo aqui em Minas será bem recebido", desencorajou-me o governador.

De fato, todos me trataram muito bem e, quando cruzava com Itamar em algum corredor ou evento, ele me perguntava se eu estava sendo bem tratado. "Muito bem, governador, obrigado,  só falta a entrevista..."

Depois de quase uma semana de insistência, quando já tinha feito amizade com muitos dos seus colaboradores, ele topou responder a algumas perguntas por escrito. Soube mais tarde que Itamar não tinha gostado da matéria e queria saber quem me havia passado aquelas informações.

Assim era Itamar Franco, sempre meio imprevisível, instável, desconfiado de tudo e de todos, mas que acabou passando para a história como um presidente providencial, um homem probo, que nunca deixou de ser, antes de tudo, um político mineiro, embora tenha nascido num navio no litoral da Bahia.

Bobagem querer explicá-lo. Itamar era Itamar, primeiro e único.

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(03/07/2011 - Mauro Santayana)

O homem que morreu neste sábado não pertencia às elites políticas ou empresariais de Minas. Engenheiro, filho de descendentes de imigrantes (o pai, de alemães, e a mãe, de italianos) Itamar teve uma infância de classe média modesta. Não chegou a conhecer o pai, que morreu pouco antes que nascesse. Formado, com as dificuldades da situação familiar, em engenharia, aos 24 anos, trabalhou no saneamento básico na periferia de Juiz de Fora, antes de integrar os quadros do DNOCS. Esse contato com o povo o levou à vida pública.

Itamar não foi um político definido pelos estereótipos. Destacaram-se em sua personalidade e ação política os dois sentimentos que orientam os grandes homens públicos de Minas: o do nacionalismo – que vem da Inconfidência - e o da justiça social. Não há como negar a Itamar o alinhamento ideológico à esquerda. Um de seus ídolos desde a adolescência foi o gaúcho Alberto Pasqualini, dos mais importantes pensadores políticos brasileiros e conselheiro de Getúlio.

Como é de conhecimento público, prestei assessoria informal ao Presidente, e, mais tarde, ao governador. Pude acompanhar, de perto, seu empenho na defesa dos interesses nacionais e da moralidade no governo. Acompanhei, de perto, as suas preocupações, quando decidiu adotar, a conselho de membros da equipe econômica, o expediente antiinflacionário da Alemanha dos anos 20 – o Plano Schacht. Era a segunda vez que se tentava, no continente, a mesma estratégia contra a hiperinflação, bem conhecida como matéria de estudos financeiros. A primeira fora a do Plano Austral, da Argentina. Também o Plano Cruzado, de Sarney, contemplava algumas de suas medidas.

Conhecedor de matemática, Itamar reviu o plano, ponto a ponto, fez correções que lhe pareceram apropriadas e, só depois disso, assinou a medida provisória que o implantou.

Poucos dias antes de sua internação, estive em seu gabinete, em companhia do Embaixador Jerônimo Moscardo, que foi seu Ministro da Cultura. Ao nos cumprimentar, visivelmente gripado, Itamar reclamou do ambiente frio do Senado. “Esse ar acondicionado é de matar”. E disse que estava com uma gripe que não cedia.

Convidou-nos para uma visita ao gabinete do presidente José Sarney, ao lado do seu. Conversamos os quatro, alguns minutos, sobre a situação do país e do mundo. Relembramos a personalidade de Tancredo Neves e episódios menos conhecidos do processo de transição democrática que, pelas circunstâncias do tempo, Sarney e este jornalista haviam vivido mais de perto.

Itamar estava preocupado com a situação do país, e a necessidade de que se formassem líderes capazes de enfrentar as dificuldades internacionais do futuro próximo. Naquele mesmo dia, ele solicitara da Mesa do Senado a transcrição de um artigo meu, publicado neste jornal, de reparos ao seu sucessor.

O grande êxito de Itamar pode ser explicado pela renúncia pessoal às glórias e pompas do poder. Não foi açodado em assumir o governo, depois do impeachment de Collor. Coube a Simon instá-lo a isso, sob o argumento da razão de Estado: o poder não admite o vazio. Logo que assumiu a Presidência, reuniu todos os dirigentes partidários e líderes no Congresso, sem excluir ninguém, nem mesmo o folclórico Enéas Cardoso. Disse-lhes que estava disposto a convocar eleições imediatas para a Presidência e Vice-Presidência, se estivessem de acordo. Silenciou-se, à espera da resposta – e ninguém concordou. Por duas ou três vezes, ele me disse que, apesar daquela recusa unânime, talvez tivesse sido melhor consultar o povo, naquela difícil circunstância.

Quando se pôs o problema de sua sucessão, tendo em vista a sua altíssima popularidade – de mais de 80% - alguns líderes políticos lhe propuseram a apresentação de emenda constitucional permitindo a sua reeleição. Itamar recusou, com veemência, a proposta. O democrata não poderia admitir o golpe que seu sucessor desfecharia.

Mais do que sanear a moeda, Itamar ficará na História por haver recuperado a credibilidade da Presidência da República junto ao povo brasileiro. Poucos, muito poucos, dos que exerceram o alto cargo ao longo da História, ficarão na memória da Nação com a mesma e sólida presença de Itamar Franco, modesto homem do povo, intransigente patriota, severo guardião do bem público.

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