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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Especial Líbia I: O professor luso que admira Kadhafi


Seguem dois "especiais" sobre a Líbia, com diferentes pontos de vista. Neste primeiro, um professor português que esteve em Líbia revela alguns pormenores interessantes, confira abaixo:

O professor luso que admira Kadhafi

Docente na Líbia, na Universidade de Sirte, Francisco Rocha é uma voz contra a corrente.

02/04/2011 – Expresso – Portugal
José Pedro Castanheira

Francisco Rocha, de 62 anos, era professor da Universidade de Sirte até há um mês. Um dos 138 portugueses registrados na embaixada em Tripoli, ele e a mulher Elisabet, sueca, tiveram que deixar a Líbia a 22 de Fevereiro. Em Lanhenses (Viana do Castelo [Norte de Portugal]), acompanha, preocupado, o ataque dos rebeldes a Sirte, cidade-berço de Kadhafi, onde deixou numerosos amigos. “Acredito que vão lutar até à última pessoa. Mas se não houvesse intervenção internacional Kadhafi venceria.” De nacionalidade portuguesa e sueca, trabalha na cooperação há 40 anos. Ateu, já esteve em 92 países e é adepto furioso do Facebook. Contra toda a corrente, não esconde a simpatia por Kadhafi e em especial pelo filho Saif.

Paco Rocha – como é conhecido – esteve na Líbia pela primeira vez no fim de 1999, “quando se começou a falar do bug do milênio. Sou meio tolo e decidi ir com a família para onde não se entrasse no ano 2000” - ou seja, para um país muçulmano. A família Rocha passou então duas semanas em Tripoli: Paco, a mulher Elisabet, uma anglo-sueca de 56 anos, e os dois filhos, Max Love (de 26, jornalista no Equador) e Nina Liz Bella (de 18, a estudar na Noruega). O português voltou à Líbia assim que terminou um contrato em Moçambique. “A minha mulher não lidou bem com a miséria em Cabo Delgado. Como sabíamos que não havia pobreza na Líbia, foi viver lá, em 2008.” Paco juntou-se-lhe em Dezembro de 2008. Professores na universidade de Sirte, Elisabet, que é funcionária do British Council, dava aulas de inglês, enquanto Paco colaborava no ensino de inglês e espanhol e tentava, sem êxito, abrir um departamento de português.

A cidade não existia quando Muammar Kadhafi nasceu, em 1942, ali perto. Com 150 mil habitantes, é “especialmente conservadora e religiosa”, e cheia de contrastes, com pessoas “vestidas biblicamente, a falarem por iPhone” e uma separação “total” entre homens e mulheres. Os habitantes “são loucos por futebol, o único divertimento dos jovens”, o que faz com que Portugal seja muito popular. Não há cinema, considerado “um pecado”, nem música ocidental, nem restaurantes (com exceção de um turco). “Não há nada para fazer nem onde gastar dinheiro.” Em Sirte, como na Líbia em geral, “nunca vi pobreza material. Tudo é subsidiado. Nada se paga: água, eletricidade, telefone fixo...”

O isolamento de décadas leva a que “quase ninguém” fale outras línguas. “Não se encontram líbios a falar inglês, nem sequer nas fronteiras. É por isso que, quando vejo nas televisões os rebeldes a falar inglês sou levado a pensar que vieram de fora.” O que não é difícil: com uma população de seis milhões, “quatro milhões são imigrantes”. Só em Bengasi, onde nasceu a rebelião, “metade são egípcios”.

Na opinião de Francisco Rocha, “os dois opressores do povo líbio são a religião e as tradições”. Kadhafi também não é? “Kadhafi não é um opressor. Nunca encontrei ninguém que não o adorasse. Para eles, é como se fosse a Nossa Senhora de Fátima. É o pai da nação, o símbolo da revolução.” O português distingue Kadhafi do Governo. “O descontentamento que existia era contra alguns ministros, não contra Kadhafi”. Apesar de o coronel estar no poder há 41 anos. Rocha rejeita a insinuação com uma pergunta: “E há quantos anos está no trono a rainha da Inglaterra?”

Saif al-Islam Kadhafi é o filho de Kadhafi que tem dado a cara na televisão. “Ele quis levar um milhão de computadores 'Magalhães' para a Líbia e tem lutado pela transparência do Governo.” Paco declara-se “seu admirador. Falei com ele duas vezes ao telefone. Diz que a Líbia não é uma dinastia e que não deve suceder ao pai.”

A autenticidade da rebelião merece-lhe as maiores dúvidas. “Enquanto lá estive, não ouvi um único tiro e só vi manifestações a favor de Kadhafi.” A situação atual é diferente. “Agora há uma guerra civil. Mas não foi uma coisa espontânea, como se diz no Ocidente. Não havia nenhum diplomata que previsse isto: há um mês estavam todos a fazer negócios com ele.” De uma coisa diz-se convicto: “Isto não tem nada a ver, nem com a Tunísia, nem com o Egito. É algo que se passou de fora para dentro.” A cobertura [da mídia] provoca-lhe uma enorme desconfiança, reforçada pelo facto de manter contactos diários com a Líbia, por e-mail, Skype e telemóvel [celular]. “Os jornalistas não sabem do que estão a falar. Numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Todos mentem!” Chama a atenção para o facto de haver “quem chame ao coronel kafir, que significa infiel”. Esta acusação é dirigida normalmente “aos que estão a abrir muito ao Ocidente. É um sinal de que há ali uma componente fundamentalista, que pode fazer da Líbia um novo Afeganistão, guiada pelo monóculo do Corão.”

Francisco Rocha nunca ouviu falar na Líbia de partidos políticos. Nem acredita na sua viabilidade: “Na Líbia, é tudo tão diferente! É impossível adotarem a democracia tal como nós a entendemos. Para haver democracia tem que haver tolerância” - o que não existe. A causa principal é a religião, que “está a estrangular aquela sociedade”.

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3 comentários:

  1. Paulo Duarte:

    Li com muito entusiamo a matéria, porque penso o mesmo. Jamais estive na Líbia nem no Iraque. Mas tenho amigos que conhecem bem ambos os países e falam maravilhas sobre a excelente qualidade de vida e o nível excelente da educação, absolutamente gratuita em todos os níveis, da atenção a saúde, a limpeza e a beleza das cidades provasa cabais do investimento nos próprios países e suas populações dos lucros com o petróleo. A cobiça das potencias genocidas ocidentais destruiu e continua destruindo toda aquela obra e ceifando milhões de vidas (é evidente que o objetivo é esse. Sadam foi covardemente executado na base de mentiras, mais tarde confessadas descaradamente pelo governo norte-americano e a boa da vez é Kadahfi. Pior de tudo é a sensação de impotencia que nos invade diante da passividade daqueles que poderiam impedir essas políticas de lesa-humanidade.

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  2. Meu avô português também adorava os ditadores militares no Brasil... Se alguém criticasse os gerenais, ficava louco da vida. Achava que o Brasil era um país feliz, próspero, uma potência da Natureza... Um lugar onde os honestos e trabalhadores poderiam prosperar, onde a liberdade era completamente dispensável e os opositores do governo, um bando de arruaceiros... Meu avô era um homem muito sério e decente - mas acreditava piamente na propaganda do governo.

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  3. Pois é Sonia, isto mostra como podemos estar enganados. Mas acho que o professor da reportagem deve ter mais razões para admirar Kadaffi do que o teu avô em relação ao regime militar no Brasil... rsrsrs. Abraço.

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